8/24/2007

Tiago Laval

Em 1841, partiu para a Ilha Maurícia o primeiro missionário da Congregação fundada por Libermann. Chamava-se Tiago Laval. Antes de se tornar missionário, foi médico e pároco de aldeia. Foi o grande apóstolo da Ilha Maurícia, e hoje o seu túmulo, nessa ilha, é visitado por muitos milhares de pessoas, cristãos e não-cristãos. Já foi beatificado pela Igreja.

O P. Tiago Laval foi médico e pároco de aldeia, antes de se tornar missionário.

Nasceu em França. Filho de um rico fazendeiro e presidente da edilidade local, perdeu a mão aos 7 anos.

Formou-se brilhantemente em medicina, na célebre universidade de Sorbona, Paris. Assíduo frequentador das reuniões mundanas e com futuro social promissor, acabou por deixar tudo, para se fazer sacerdote.

Foi o primeiro missionário da Congregação fundada pelo Padre Libermann. Foi enviado para a ilha Maurícia. Quando Laval ali chegou ainda existia a escravatura. À sua chegada, o P. Laval encontrou uma situação religiosa quase a zero, sobretudo entre os negros africanos, aos quais se dedicou.

O seu grande combate, que Ihe granjeou muitas inimizades por parte dos colonos, foi a libertação, dignificação e evangelização dos escravos.

Homem de profunda comunhão com Deus. Consciente que só com um bom número de cristãos comprometidos é possível desenvolver um trabalho pastoral, rodeia-se de leigos formados por si a quem dá uma formação continuada. Pouco a pouco conquistou a simpatia de todos e começou a construir capelas e igrejas por toda a ilha.

Na altura da sua morte em 9 de Setembro de 1864, de um total de 140 mil habitantes, cerca de 40 mil participaram no seu funeral! Hoje, é considerado um "herói nacional" e o dia da sua morte é o Dia Nacional da Ilha Mauricia. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II, em 29 de Abril de 1979. 0 seu túmulo é visitado anualmente por 150 mil pessoas, sem diferença de cor ou religião. todos o veneram como Pai e Amigo dos pobres e a sua memória tem contribuído muito para o ambiente de tolerância e diálogo existente no mosaico de raças e religiões, que é a Ilha Maurícia.
Médico
Pensa ser padre, mas não Ihe desgosta a carreira de médico. Junto do tio padre encontrou sempre a maior amizade e a maior compreensão. Será ainda ele que o esclarecerá, numa abertura de alma digna de admiração: «São precisos muitos bons padres, mas um médico, que seja bom cristão, pode fazer muito bem.»

Laval segue, pois, a medicina. Reside em Paris, em casa de um médico onde encontra, com outros companheiros, acolhimento familiar e ambiente cristão. Contacta frequentemente com o antigo companheiro da escola paroquial, Miguel Coquerel, agora teólogo no Seminário de S. Sulpício, em Paris.

Em Setembro de 1830, já médico, abre consultório em Santo André, não longe da terra natal.

Instala-se na grandeza, no fausto. Mesmo no luxo. Mundano. Cavaleiro brioso. Amigo da dança e dos divertimentos. Esquece-se, quase por completo, dos seus deveres de cristão. Serão momentos de negligência religiosa.

Vive infeliz e numa frustração de não-realizado. Sente que Deus o chama para outras ocupações e, como que para dissipar tais pensamentos, leva uma vida demasiadamente ocupada com trabalho, desponto e visitas a doentes. Tanto mais que não tem mãos a medir: como nada leva pelas consultas feitas aos pobres, e até Ihes deixa alguma esmola, fruto do pagamento das consultas feitas aos ricos, é constantemente solicitado.

Ele, mesmo revelará a seus parentes não sentir atracção pela riqueza. Nem pelo casamento. Por outro lado, continuava cada vez menos feliz, cada vez menos realizado.

Em 1834 vamos encontrá-lo a exercer clínica em Ivry-la-Bataille, interiormente resolvido a conviver com um médico nada religioso, na intenção de abafar—ou realizar —a insatisfação humana e religiosa em que vivia. Mas será a família Simon que o albergará e o influenciará pelo seu viver familiar e apostólico.

Fruto deste convívio inesperado e não procurado — pequeno pormenor como tantos outros na vida de Laval — virá ao de cima a antiga formação religiosa e espiritual. Pouco a pouco retoma a prática religiosa, o gosto pelas leituras espirituais, de tal modo que no ano seguinte, 1835, era «um convertido», um cristão fervoroso que vivia em paz de consciência, tentando descobrir a vontade de Deus a seu respeito através dos pequenos nadas do dia-a-dia.

Pároco

Após a sua formação teológica será ordenado sacerdote a 22 de Dezembro de 1838. A 2 de Fevereiro do ano seguinte entrará oficialmente na paróquia de Pinterville, a 30 Kms de Rouen, na Normandia.

Pequena aldeia de 483 habitantes, que nela passam a noite, como em grande «dormitório citadino», pois que o dia é vivido nas fábricas da região.

Gente sem hábitos, de prática religiosa, mas gostando de ter no seu meio um padre, que apenas ocupavam para baptismos, casamentos e enterros. Laval dedica-se a eles, discretamente, interiormente convencido, como o Cura de Ars, que tinha de ser santo para santificar os paroquianos.

Como estes o não ocupam muito, gasta ele, parte do dia e da noite a adorar o seu Deus; no princípio, em frente do altar. Depois, quase escondido, por trás do mesmo, estendido sobre o soalho frio e húmido.

Acolhe e socorre os pobres com o que tem à sua disposição e quase chega a «tirá-lo da boca» para alimentar quantos famintos lhe pedem pão e agasalho. A criada bem o «aconselha», mas ele herdou, na verdade, as «mãos rotas» da sua saudosa mãe.

Visita diariamente os doentes, passando horas esquecidas a fazer-Ihes companhia, a explicar-lhes o catecismo, a rezar com eles. Antes de sair, deixa, sorrateiramente, algum alimento ou dinheiro.

Ao longo da semana dá catequese para os mais novos das 19.30 até às 21 horas. Depois até às 22 h. para os que já trabalham nas fábricas.

Em moldes de catequese de perseverança, passa as tardes de domingo com a criançada, cantando, rezando, lendo-lhos a bíblia e a vida dos santos, brincando e passeando. Eram horas felizes que passavam depressa demais, no dizer dos beneficiados.

A meio do ano escolar, o professor primário é transferido. Outro não vem. E será ainda o padre Laval que, na residência paroquial, transformada em escola, tomará as crianças a seu cuidado.

O confessionário é outro lagar bem aproveitado pelo Padre Laval. Aí conversa e anima as crianças que frequentam a catequese. Ao pequeno grupo de adultos que se confessam regularmente, vai formando solidamente na vida cristã.

A todos que com ele contactam - pequenos ou grandes - infunde o gosto da oração, o desejo da comunhão, o amor à eucaristia, a devoção filial a Maria.

Duro e mesmo austero para si mesmo - o cilicio, o jejum diário, o trabalho exaustivo e constante, concedia ao corpo apenas o que fosse absolutamente indispensável à sua sobrevivência. Para os outros nada faltava. Tudo era bom. Tudo era fartura. Tudo era requinte. Nada impunha. A todos acolhia e recebia como eles eram. Se mudanças importantes conseguia junto dos que com ele conviviam, era apenas pelo seu exemplo, pela sua palavra cristã e sacerdotal, dita com toda a simplicidade e na maior discrição.

Evangelização dos Negros

Quando em 1835 foi decretada a abolição da escravatura - nos tratados e nos comunicados oficiais e internacionais - havia na ilha Maurícia cerca de 60.000 escravos. Os antigos senhores mostravam-se reticentes em acordar a total libertação dos seus antigos escravos. Estava em jogo a sua própria libertação e independência económica e social. Por seu lado, os antigos escravos não estavam preparados para assumir os seus novos direitos.

Laval chega à ilha em 15 de Setembro de 1841. Pouco depois escreverá aos seus superiores religiosos, transmitindo-lhes as suas primeiras impressões e informando-os do seu campo de apostolado: por ,toda a ilha havia a corrupção; a libertinagem dos costumes, dificilmente explicáveis. Ele era o único a ocupar-se de quase 60.000 negros vivendo na ilha. Talvez metade fossem baptizados, mas viviam de forma verdadeiramente pagã, como os outros. Uniam-se em casamento e separavam-se várias vezes na vida. Eram dados à embriaguez. A maior parte das jovens negras estavam pervertidas pelos antigos senhores e pelos jovens brancos. Os nascidos na ilha—crioulos—estavam totalmente corrompidos. Para começar a sua tarefa apostólica, iria dirigir-se a alguns negros originários da ilha Maurícia e de Moçambique.

Laval projecta o seu trabalho apostólico junto dos negros. Em total indiferença por parte dos outros párocos: eles não estavam encarregados de os evangelizar. Com «todas as bênçãos» do Bispo. Com todos os olhos «brancos e crioulos» postos e pespegados sobre Laval e sobre os negros que lhe estavam pastoralmente confiados.

No primeiro domingo que Laval passa na ilha celebra missa em Port-Louis e anuncia, então, sem grandes alardes, que vai dar início à obra dos negros.

Discretamente um ou outro dos assistentes mal disfarçou um sorriso irónico. Depois, no adro, ouvia-se dizer, aqui e além, entre o grupo que saía da igreja: Tempo perdido! Isso passa-lhe! Zelo de recém-chegado!

Os poucos negros que - lá ao fundo, separados por pesada grade metálica - estavam presentes à missa, não atingiram o significado das palavras proferidas por Laval. Finda a cerimónia litúrgica, saíram. Apressadamente dirigiram-se para os seus locais de trabalho não fossem os patrões fazer-lhes um sermão, mais duro e mais longo que o de Laval durante a missa.

Na tarde daquele domingo, e ao longo da semana que vai começar, Laval ocupará todo o seu tempo na oração, na meditação. Diante do altar. Por trás dele. Como fazia na paróquia de Pinterville, em França. Laval é, essencialmente e por inclinação natural, um místico.

Deixando o seu quarto pessoal na residência paroquial, instala-se numa velha, inestética e inconfortável «barraca» de madeira. Pensa. Planeia. Medita. Reza. Espera, pelo momento da graça, que não vai tardar.

Os criados que trabalhavam na residência paroquial e na igreja estavam mesmo à mão de semear. Para quê ir mais longe? No cruzar dos corredores, Laval dirige-Ihes uma palavra amiga, respeitadora, sem pressas. Eles nem acreditam no que vêem. Estavam habituados a ser abordados abruptamente, exigentemente, senhorialmente.

«Entregam-se» totalmente a Laval. O amor pelas suas pessoas fez cair todas as barreiras rácicas, culturais, sociais, de pecado e miséria moral. Laval era um amigo. Um verdadeiro amigo.

Terminados os trabalhos domésticos, esses negros abeiram-se de Laval na sua pequena e pobre residência. Começa por os pôr à vontade. Faz-se um deles. Com toda a naturalidade. Sem fingimento. Levado pelo amor e pelo respeito às suas pessoas.

No segundo encontro que tiveram com Laval - para não dizermos no primeiro - este anuncia-lhe explicitamente a Cristo como único Salvador. Sem rodeios literários. Sem camuflagens humanas e premeditadas. Numa linguagem simples e acessível. Em toda a plenitude das exigências que a Boa Nova comporta. Propõe-lhes uma nova vida, vida de filhos e amigos de Deus, através de uma conversão radical das mentes, dos sentimentos, das vidas. Eram poucos os ouvintes. Mas todos atentos e interessados. Todos fascinados pela pessoa simpaticamente amiga de Laval. Pela sua palavra. Pela sua vida no meio deles. Instintivamente aceitam-no como amigo e como mensageiro de Cristo.

A semente caíra, na verdade, em boa terra. Aos poucos, Laval ia sendo conhecido pela sua verdadeira amizade e respeito pelas pessoas. De unidade em unidade. Hoje um. Amanhã outro. A pequena sala de Laval começa a ser pequena. É que há sempre um colega de trabalho, um amigo da mesma etnia, que, participa, à noite na «visita», na «conversa» com Laval.

Esta actividade apostólica inicial é premeditadamente muito limitada. Laval não quer atingir, inicialmente, as multidões. Procura as unidades. Por conta-gotas. Sacrifica a quantidade à qualidade. Dirige-se apenas aos adultos, como que ignorando, ou esquecendo as crianças, os jovens. Por agora. Mais tarde chegará também a sua hora.

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